Mudando a perspectiva

Mudando a perspectiva

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Capitlo II - Acordando ainda a tempo de ver a luz do dia

Papapapa! Foi ao som de quatro palmas que lentamente um olho se abriu e logo em seguida, o outro repetiu a ação do primeiro.
"São onze da manhã!" falou em alto e bom som a empregada.
Mara Diaz. A face aparentava mais idade do que os documentos, parecendo ter cinquenta, mas na verdade ainda não completara quarenta e dois. Sempre fora empregada da família Valdango.
Parecia tão do cotidiano da casa que provavelmente se a perguntassem o que antes fizera em sua vida, provavelmente não saberia responder. Era como cada quadro, cada estante, cada livro empoeirado da casa: era parte do cenário da número 43 da rua Balguda.
"Acorde homem, parece ainda não entender que trabalha! Ainda és um bebezão! são onze e meia da manhã, irá se atrasar para o trabalho!", falou rispidamente, mas com um toque de carinho e intimidade que somente alguém que já convive há anos poderia dizer.
Demorou cerca de quinze minutos para o homem que dormia se levantar. O quarto parecia muito grande para um homem franzino daqueles. A cama centrada, no meio do quarto, ao lado um sofá, do outro uma cômoda, na parede alguns quadros, a janela ainda fechada. Pelo que se via, o tal homem deveria pertencer a alguma alta classe da cidade.
Retirando o pijama e colocando a blusa de seda, a calça de camurça, os sapatos lustrados, o suspensório, e por fim, o chapéu. Não era de todo baixo, variava entre o 1 e 76 e o 1 e 78.
Calvino Valdango. Assim como o nome sugere, era de família hispânica com algumas mistura francesa e um pouco do sangue italiano. Dizem que entre o primeiro nome e o último, havia um sobrenome italiano, algo como, Pazzini, ou Panini.
Se dirigiu ainda em câmera lenta ao banheiro. Parecia um corpo sem alma. Andava passo a passo, com um calma que não refletia a situação. Se olhou no espelho, olhou seu reflexo, e ainda assim parecia não fazer idéia do que via. Ainda estava num processo de acordar, tudo ainda era lento e surreal. Aparentemente só saiu de seu coma quando o relógio cuco anunciou a hora certa ao mesmo tempo em que jogava água em seu rosto. Usou seu perfume, algo que lembrava raspas de limão, a doçura do morango e a fragância de camomila. Era enjoativa e ácida, mas lhe fazia bem.
Percorrei todo o caminho do quarto, passando por cima de seu pijama e chegando até a cabeceira onde achou seus óculos. Seu próximo passo foi abrir a porta e sair do seu dormitório.

Ao chegar à sala de jantar sentou-se prontamente e perguntou com uma voz rouca e sem forças para a empregada que havia lhe acordado:
-Ainda tem suco de maracujá? E broa de milho? Meu pai se encontra ou já foi pro banco?
E como uma máquina a empregada respondeu sem pensar às três perguntas:
-sim, não, foi!
Apesar da aparente falta de carinho entre a conversa dos dois, era óbvia a grande intimidade que tinham: não floreavam, eram objetivos e respondiam a tudo que era perguntado.
O franzino homem, cortou o pão e lentamente derrubou azeite no miolo. Serviu-se de café e observou a empregada chegando com o suco:
-Acho que papei deveria se conter a ficar em casa. O banco lhe fornece mais problemas do que notas de cem. Em sua idade, a maioria descansa.
A empregada seca como sempre lhe retribuiu:
-E já não há nessa casa homens suficientes que descansam e dormem? Mais e não haverá vivalma durante a manhã!
Assim como se nada tivesse sido dito, Calvino continuou com as expressões antigas, como se o fora que a empregada lhe dera nada tivesse mudado o que pensa ou afetado seus sentimentos.
Pigarreou com força, tomou o suco todo de uma vez, comeu a segunda rodela de pão e falou mais uma vez com a de avental:
-Parece muito, mas nem é tanto o dinheiro que o velho faz no banco! Nos dias de hoje é mais fácil botar outros para trabalhar e acreditar em sócios do que ser o único dono e se desgastar tanto! Prefiro algo que não canse tanto.... ser detetive é algo bom! Passo maior parte de meu dia no escritório vendo e revendo os casos. trabalho apenas na parte da tarde, um bom detetive precisa de tempo para ir atrás de pistas durante a noite!
A empregada parou de tirar os farelos da mesa e como uma estátua fitou seu patrão com a maior cara de deboche e proferiu:
-E o senhor é bom detetive porque fica na bohemia durante a noite? Falando nisso ontem foi atrás de pistas, ou dizendo melhor, ficou com alguma mulher ou abraçou a bebida? pois chegou tarde, passava das cinco!
Calvino pela primeira vez parou de fazer o que estava fazendo e mudou a cara, fitou bem nos ohos da empregada por cerca de dois segundos e depois desviou o olhar para o chão e respondeu:
-Ontem encontrei pistas importantes sobre o caso da mulher de Jonas Manduras, Leila. Ela está realmente o traindo. E ainda digo mais, pobre Jonas! Sua mulher o está traindo com o dono do "Anchovas etílicas", aquele bar nas docas. Pobre homem, sua mulher traindo com um daqueles homens da ralé!
A serviçal o olhou bem e por conseuinte acabou tomando o rumo da cozinha e deixou o detetive boêmio e magricela terminando sua primeira refeição.

Já passava do meio dia quando Calvino resolveu sair de casa e rumar para seu escritório. O trajeto era um pouco longo, tinha que cruzar o rio que dividia a cidade em duas e ir até a parte sudeste do centro. Percurso que levava cerca de meia hora a pé ou quinze minutos à cavalo.
Como era de costume ia na segunda, quarta e sexta-feira a pé, nas terças e quintas à cavalo. Era uma sexta, logo foi passo após passo caminhando em direção ao trabalho.
No caminho passou pelo grande centro da cidade, onde havia a sede dos bancos, a casa de penhores, a Igreja, o tribunal e o grande mercado com suas varias barracas vendendo desde frutas e legumes até jormais. E foi numa dessas pequenas bancas que viu uma grande aglomeração. Foi chegando mais perto e mais perto, até o ponto em que precisava empurrar quem estava na frente parar poder vizualizar os jornais. Quando finalmente conseguiu olhor e ler o que se tratava, seus olhos abriram como duas grandes bolas de sinuca. Sua face demonstrou a cara de espanto e leu quase silenciosamente a manchete da noítcia "Homem encontrado morto com um tiro na cabeça na rua 16 nesta madrugada". Não era preciso ser um detetive para saber casos sobre a rua 16, mas em especial havia um que assombrava a cidade: a lenda do assassino da névoa. Calvino sabia muito bem dessa história pois seu pai sempre a contou quando ainda era criança. No entanto, não era apenas uma história que era contada para ele: seu pai sempre lhe disse que seus dois tios foram assassinados na rua 16. Os dois eram na verdade duas das 12 vítimas do assassino da névoa. Cada vítima era morta em um mês do ano, e o assassino matou o primeiro no dia primeiro de janeiro, o segundo no dia dois de fevereiro e sempre assim, batendo o número do dia com o número do mês. o mais estranho é que em todos esses dias, a névoa sempre estava espessa, sendo assim, foi atribuído um lado paranormal às mortes. Ainda se sabia que cada homem assassinado era aniversariante do mês seguinte ao que fora morto, exceto pelo último, que era nascido em dezembro, quebrando a sequência. No entanto, hoje é dia 12 de dezembro.

Um comentário: